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Sumário

Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher Negra

O Instituto de Pesquisa DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, divulgou em novembro de 2023 os resultados gerais da décima edição da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher e, em março de 2024, os resultados da pesquisa por unidade da Federação.

Para aprofundar ainda mais na análise do problema social da violência doméstica, no presente trabalho serão apresentados os resultados encontrados na população feminina negra 1. Busca-se, assim, compreender as desigualdades estruturais, vulnerabilidades diferenciadas e contextos culturais que afetam as experiências das mulheres e diferentes grupos raciais.

Entre os dias 21 de agosto a 25 de setembro de 2023, 13.977 brasileiras negras de 16 anos ou mais foram entrevistadas por telefone, em amostra representativa da opinião da população feminina negra brasileira.

Método2

O processo de amostragem do DataSenado é totalmente probabilístico. Nas entrevistas são feitas perguntas que permitem estimar a margem de erro para cada um dos resultados aqui divulgados, calculados com nível de confiança de 95%. Dessa forma, não existe uma única margem de erro para toda a pesquisa. Não obstante, considerando todas as estimativas para tabelas simples, sem cruzamentos, tem-se que, em média, a margem de erro observada nas estimativas foi de 1,44%, com desvio padrão de 1,33%. As entrevistas foram distribuídas por todas as unidades da Federação, por meio de ligações para telefones fixos e móveis, com alocação uniforme por estados e Distrito Federal.

1. Introdução

O Mapa Nacional da Violência de Gênero, painel interativo de dados sobre a violência contra a mulher, lançado em novembro de 2023, reúne informações de diversas bases, incluindo as de Saúde (DataSUS – SIM e Sinan), de Justiça (CNJ-DataJus), de Segurança Pública (Sinesp) e da Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência. Esses dados revelam um quadro alarmante em que mulheres negras são desproporcionalmente vitimadas pela violência.

Em particular, dados extraídos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) – base alimentada por registros de doenças de notificação compulsória ao Sistema Único de Saúde (SUS) – mostram que, em 2022, 202.608 brasileiras sofreram algum tipo de violência, sendo que a maioria (55%) eram mulheres negras (112.162 brasileiras pretas e pardas). Além disso, informações do Sistema Nacional de Segurança Pública (Sinesp) indicam que, entre as mulheres vítimas de violência sexual cujas ocorrências policiais incluíam o registro de cor/raça (8.062), 62% (5.024) eram pretas ou pardas. Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) evidenciam outro dado alarmante: entre as 3.373 mulheres assassinadas em 2022, cujas informações de raça e cor foram registradas, 67% eram negras (2.276).

Diante desses dados, a Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher foi aprofundada com um recorte específico para mulheres negras. Essa análise busca compreender as particularidades das vivências e opiniões das brasileiras negras em relação à violência de gênero. Entender as especificidades das experiências dessas mulheres é crucial para a formulação de políticas públicas mais eficazes, que levem em conta suas realidades socioeconômicas e culturais. Além disso, identificar as barreiras específicas que dificultam o acesso das mulheres negras aos serviços de proteção e apoio é essencial para criar intervenções mais inclusivas e equitativas.

Para desenvolver essa análise, utilizou-se uma amostra de 13.977 mulheres negras brasileiras, obtida através de entrevistas realizadas por telefone com mulheres de 16 anos ou mais, abrangendo as 27 unidades da Federação. Os dados foram organizados em duas grandes categorias: “Realidade socioeconômica das brasileiras negras” e “Quem são as mulheres que sofrem violência doméstica e familiar?”. Na primeira parte, exploramos as condições de vida, trabalho, escolaridade e aspectos familiares, enquanto na segunda analisamos os perfis e as vivências das mulheres negras que enfrentam a violência doméstica e familiar. Essa segmentação permite um entendimento abrangente e profundo das condições enfrentadas por essas mulheres e oferece uma base sólida para direcionar ações e políticas públicas.

2. Realidade socioeconômica das brasileiras negras

A população brasileira é formada por mais de 45 milhões de mulheres negras de 16 anos ou mais (45.689.075), que estão concentradas, prioritariamente, nas regiões Nordeste (36%) e Sudeste (38%) do país.

Essa população abrange principalmente jovens e adultas, sendo 18% de 16 a 24 anos e aproximadamente 12% com idade igual ou superior a 60 anos.

Dentre as unidades federativas, em relação ao total de brasileiras negras, o estado de São Paulo é o que possui a maior população, com 18%, seguido pelos estados da Bahia e de Minas Gerais, com 10% cada um.

Ao se avaliar a proporção de brasileiras negras em relação à população de mulheres de cada unidade da Federação, o estado da Bahia é o que possui a maior proporção de mulheres pretas e pardas do Brasil, representando 80% de todas as mulheres do estado, seguido pelos estados do Pará e do Maranhão, com 79% cada um.

De acordo com o levantamento, mais de 2,8 milhões de brasileiras negras são analfabetas e 11,4 milhões possuem Ensino Fundamental incompleto (juntos, esses percentuais equivalem a 31% das mulheres negras do país). Em que pese que a maioria complete o Ensino Médio (34%), apenas 14% das pretas e pardas do Brasil concluem o Ensino Superior.

A falta de ensino formal tem como efeito perverso a falta de renda familiar. A maioria das mulheres negras do país (66%) vive com renda de até dois salários-mínimos, ainda que metade delas (50%) esteja trabalhando.

Dentre as mulheres que são economicamente ativas, 40% trabalham para uma instituição – seja pública ou privada –; 25% para uma pessoa física; e 34% trabalham por conta própria ou em seu próprio negócio.

No ambiente familiar, 45% das mulheres negras vivem em domicílios com quatro ou mais moradores. A maioria delas (78%) tem filhos, sendo que 58% dessas mães possuem pelo menos um filho menor de 18 anos.

Para finalizar a descrição do perfil das brasileiras pretas e pardas do país, a pesquisa levanta informações sobre religião, porte do município e situação do domicílio, que podem ser observadas a seguir.

Quanto à religiosidade, 45% das mulheres negras se identificam como católicas, 36% como evangélicas, e 18% pertencem a outras religiões ou se declaram sem religião.

A maior parte das mulheres negras reside em áreas urbanas, correspondendo a 87% dessa população.

A maior parte das mulheres negras afirmam ou não ter renda (32%) ou ter renda insuficiente (34%). Apenas um terço das mulheres pretas e pardas do país (33%) declaram ter renda individual suficiente para se manter e manter as pessoas que delas dependem.

A violência doméstica contra as mulheres negras não é só uma questão de gênero, só de raça ou só de classe, mas de todas juntas.

Esses dados compõem um perfil abrangente sobre a realidade socioeconômica das mulheres negras no Brasil, indicando fatores relevantes para a compreensão de suas condições de vida e trabalho, indicadores sobre as condições enfrentadas de racismo e violência doméstica.

3. Quem são as mulheres que sofrem violência doméstica e familiar no país?

Ao considerar as mulheres negras que declaram ter sofrido violência doméstica, a maior parte 66%, afirmou que não possuem renda ou que sua renda não é suficiente. Dos casos relatados, 39% das mulheres que sofreram violência doméstica não possuem renda suficiente para se manter, e 27% não têm nenhuma fonte de renda, indicando que a vulnerabilidade econômica está associada a um maior risco de violência. Apenas 33% das mulheres com renda suficiente declararam ter sofrido violência, evidenciando que, embora a renda não seja um fator de proteção absoluto, a autonomia financeira pode reduzir a exposição a situações abusivas. Esses dados reforçam a necessidade de políticas públicas que promovam independência financeira para mulheres em situação de risco.

RENDA COMO FATOR DE RISCO

Ao analisar a suficiência da renda individual entre mulheres de diferentes raças no Brasil, evidencia-se uma desigualdade significativa no cenário econômico feminino. Esses dados indicam que a insuficiência de renda é um fator de risco que contribui para a vulnerabilidade de mulheres negras à violência doméstica e familiar, associando a condição econômica à exposição ao abuso.

Enquanto 42% das mulheres brancas e amarelas declararam possuir renda suficiente para se manter e sustentar quem delas depende, apenas 33% das mulheres pretas, pardas e indígenas afirmaram o mesmo. Em contrapartida, a proporção de mulheres que não possuem renda suficiente para se manter ou que não tem nenhuma renda é de 57% entre brancas e amarelas, e 66% entre pretas, pardas e indígenas.

Entre as mulheres negras que não possuem renda suficiente para se manter, 32% declararam ter sofrido violência doméstica ou familiar — o equivalente a uma em cada três. Esse dado reforça a associação entre insuficiência de renda e maior exposição à violência doméstica, evidenciando uma vulnerabilidade econômica que pode estar relacionada a situações de abuso. Considerando que 24%, declaram que a violência ocorreu nos últimos 12 meses.

O número de mulheres vítimas de violência sobe para 31% quando consideradas as situações de violência vivenciadas por alguém de sua relação íntima ou familiar nos últimos 12 meses. Esse aumento ocorre mesmo entre aquelas que, anteriormente, não haviam declarado ter vivido violência doméstica, mas afirmaram ter experienciado pelo menos uma das situações descritas.

Entre as mulheres negras sem renda suficiente para se manter e que sofrem violência doméstica, 85% convivem com o agressor, enquanto 15% não residem com ele. Esses dados destacam a vulnerabilidade de quem compartilha o lar com o agressor, o que pode dificultar ainda mais a busca por proteção e assistência.

Entre as mulheres negras com filhos menores de 18 anos, 80% residem com o agressor, enquanto apenas 20% vivem separadas dele. Esse dado aponta para uma situação de vulnerabilidade, em que a presença de filhos pode tornar a ruptura da convivência ainda mais desafiadora, ampliando os obstáculos para romper o ciclo de violência.

PORTAS DE SAÍDA

O contexto socioeconômico e o conhecimento dos direitos impactam diretamente a busca por assistência. Para muitas dessas mulheres, as “portas de saída” se estreitam, dificultando o rompimento do ciclo de violência. A renda insuficiente pode, portanto, atuar como um limitador de acesso a recursos essenciais, incluindo serviços de saúde e dispositivos de proteção.

Entre as mulheres negras que não possuem renda suficiente para se manter, apenas 30% buscaram algum tipo de assistência de saúde após vivenciarem uma situação de violência grave, enquanto alarmantes 69% não procuraram.

As mulheres não alfabetizadas se diferenciam das outras ao registrar o maior percentual de busca por assistência, com 37%. Ao considerar a margem de erro, verifica-se que mulheres com algum nível de escolaridade não divergem em relação às altas porcentagens de não busca por assistência. As mulheres com ensino fundamental completo se destacam, cerca de 73% das mulheres com esse nível de escolaridade não procuram ajuda.

Em todos os níveis educacionais, no entanto, a maioria optou por não procurar ajuda, com percentuais acima de 60%, o que indica uma barreira significativa no acesso ou na busca por assistência, independentemente do grau de escolaridade.

Entre as mulheres negras que declararam ter sofrido violência doméstica e familiar, aquelas com maior escolaridade denunciam menos do que as com menor escolaridade. Enquanto 49% das mulheres não alfabetizadas e 44% daquelas com ensino fundamental incompleto denunciaram a violência em uma delegacia, esse percentual cai para 34% entre as que possuem ensino superior completo. Esses dados sugerem que, embora a escolaridade possa contribuir para o conhecimento dos direitos, outros fatores – possivelmente socioeconômicos – ainda dificultam a tomada de ação, mesmo entre as mulheres com níveis educacionais mais altos.

Entre as mulheres negras que não possuem renda individual suficiente para se manterem, 72% não solicitaram medida protetiva, enquanto apenas 27% buscaram esse recurso. Portanto, sugere-se a renda como um fator que pode contribuir para a incidência de violência.

A relação entre a escolaridade e a solicitação de medidas protetivas entre mulheres negras que sofreram violência ressalta que independentemente do nível de escolaridade, a maioria não solicitou medida protetiva, com percentuais que variam de 65% a 78%. Entre as mulheres com ensino superior completo, 78% não buscaram proteção, enquanto 22% solicitaram. Entre as mulheres com ensino fundamental completo, o índice de solicitação é ligeiramente maior (35%), mas ainda insuficiente para se aproximar da maioria.

Footnotes

  1. Pessoas negras são aquelas que se autodeclaram pretas ou pardas↩︎

  2. Ver descrição detalhada do método no Relatório completo.↩︎